O vestido encharcado e já cheio de terra não chegava a incomodar tanto quanto a presença daquele estranho me observando à distância. Deitada na areia molhada, a alguns metros de onde Mark pacientemente observava o mar, eu tentava encontrar o melhor ângulo para fotografar aquela paisagem paradisíaca. Isso até o homem desconhecido e seu quadriciclo se colocarem bem no canto esquerdo do meu campo de visão. Respirei fundo e decidi esperar mais um pouco quando, através da lente, percebi que o estranho se aproximava lentamente.
Ai, meu Deus. Mark poderia estar mais perto de mim, pensei enquanto levantava do chão e oferecia o meu melhor sorriso de "por favor, me mate, mas não me estupre".
- Não se assuste - ele disse pausadamente. - É que nós temos uma situação aqui.
Assassinato. Alguém foi assassinado e eu estou no meio do nada com um gringo. Comecei a me recriminar por ter continuado caminhando para lugares cada vez mais remotos da praia. Era sábado, eu queria encontrar um espaço de paisagem que não estivesse completamente tomado por turistas afoitos. Agora me dava conta de que eu era uma turista afoita e que, por causa de uma foto extra no Instragram, estava ali conversando com um estranho sobre um possível assassinato.
- O que aconteceu? - perguntei. Na minha visão periférica já via Mark percebendo o diálogo inusitado e caminhando em minha direção.
- Vocês estão hospedados em que hotel? - devolveu o estranho, parecendo meio desconfiado.
- Luar da Praia - respondi. - É meio longe daqui, a gente veio andando... - minha voz quase se desculpando pela possível enrascada em que tinha me metido.
- Eu sou segurança do resort e nós recebemos uma denúncia de que dois elementos estão assaltando diversos hóspedes por aqui.
Ah, então não foi um assassinato. Soltei o ar lentamente e, só então, percebi que estava prendendo a respiração todo esse tempo.
- Ah, certo. - devolvi mais relaxada. Mark chegou mais perto e passou o seu braço por meus ombros de maneira protetora. Ele sorria como se compreendesse o assunto, mas seus olhos silenciosamente me perguntavam qual o motivo da conversa com o estranho. - Vamos voltar, então. Onde eles estão?
- Eles estão bem ali atrás do meu quadriciclo. - o segurança apontou discretamente com a cabeça. - Posso tentar tirar uma foto deles fingindo que estou fotografando vocês dois?
Acenei que sim e puxei Mark para um ângulo que beneficiasse a foto furtiva dos dois bandidos. Após posar como um casal feliz para uma imagem que poderia estar nas manchetes do dia seguinte, fomos deixados sozinhos pelo segurança.
- What was it about? - perguntou meu inglês, querendo saber qual o motivo da foto surpresa no celular de um estranho.
Tentei explicar o mais rápido que pude, enrolando inglês com um português de quem não quer perder todas as fotos da viagem, a câmera, o celular e outras coisas que bandidos levam só porque estão armados e podem levar. Mark não entendeu quase nada, mas passou a me seguir de volta para o hotel a passos largos e rápidos.
Olhei para trás e vi os dois homens descendo a ladeira e vindo em nossa direção. O segurança, em seu triciclo e munido de um binóculo, dirigia devagar ao nosso lado, quase nos acompanhando na missão de fugir dos marginais. Começamos a correr cada vez mais rápido, tentando nos afastar dos rapazes, que continuavam a vir em nosso encalço, quando o desconhecido se aproximou bastante e anunciou:
- Ah, eles estão armados! - Logo antes de acelerar seu quadriciclo de volta para o resort de onde veio.
Foi então que Mark pareceu compreender o que estava acontecendo e, enquanto corríamos de mãos dadas, olhou para mim com a testa franzida em interrogação e um sorriso quase imperceptível no canto da boca.
- Poxa, e ele nem ofereceu uma carona, né? - perguntou, em inglês, contra o vento.
Eu sorri, quase sem respirar e, entre olhar para trás e continuar correndo dos bandidos, gritei para os coqueiros, para o mar e para Mark:
- Bem-vindo ao Brasil!
Euzinha deitada usufruindo desse marzão de meu Deus porque sim |
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